Recentemente o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, em declaração no Twitter, proibiu que indivíduos transgêneros servissem em qualquer competência das forças armadas dos Estados Unidos, sob a justificativa de que os militares americanos não poderiam arcar com os custos médicos e a perturbação que os transgêneros representam, indo totalmente de encontro com a política de integração promovida pelo ex-presidente Obama.
No Brasil, a novela global “A força do Querer” retrata a batalha vivida pela personagem Ivana, que não se identifica com o gênero de seu nascimento, e inicia o processo de transição para o gênero oposto.
Mas afinal, o que significa ser transexual e como isso é tratado pelo direito?
Transexual é o indivíduo que não se identifica com o gênero atribuído ao seu sexo biológico, ou seja, tem o sentimento de pertencimento ao sexo oposto, cujas características físicas deseja possuir ou já possui por meios médico-cirúrgicos.
Ressalte-se que a identidade de gênero não se confunde com sexo e orientação sexual, nos dizeres do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, em seu emblemático voto proferido no Recurso Extraordinário (RE) nº 845779
“Sexo, embora seja um conceito disputado, costuma significar a distinção entre homens e mulheres segundo as suas características orgânico-biológicas, como cromossomos, genitais e órgãos reprodutivos. Gênero, por sua vez, designa a diferenciação cultural entre masculino e feminino. Por fim, orientação sexual significa a atração afetivossexual de um indivíduo por determinado (s) gênero (s), dividindo-se entre heterossexual, homossexual, bissexual e etc.”
Todavia, infelizmente, os transexuais ainda representam uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade, e têm que lutar diariamente para superação das mais diversas barreiras, desde a aceitação no mercado de trabalho, o direito à serem tratados por seu nome social, até o direito à utilizarem o banheiro, conforme o gênero com o qual se identificam.
Este último tema, inclusive, vem sendo discutido no Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) nº 845779 que, dada a sua relevância social, foi admitido sob o regime de repercussão geral. Nesse caso, o Ministro Barroso, de maneira brilhante, defendeu o direito dos transexuais de serem tratados pela forma como se apresentam, até mesmo no que tange ao uso de banheiros públicos, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio democrático.
A dignidade da pessoa humana é um valor intrínseco de todos os seres humanos, sendo a origem de uma série de outros direitos fundamentais relevantes, como o direito à igualdade, que são assegurados pela nossa Constituição Federal. Neste ínterim, escreveu Barroso que “O padrão cultural heterossexual e cisgênero impõe às orientações sexuais e identidades de gênero desviantes o rótulo de aberrações naturais ou perversões sociais, a serem curadas ou combatidas. As pessoas transexuais convivem, portanto, com o preconceito e a estigmatização. São, rotineiramente, encaradas como inferiores e têm seu valor intrínseco desrespeitado”.
Para o Ministro a constituição deve ser interpretada de modo a neutralizar essa situação, afinal “A negativa de tratamento socialmente adequado a um transexual afeta tanto (i) a pessoa transexual, reimprimindo nela o rótulo de não aceita, de doente ou depravada, com reforço ao profundo estigma social sofrido desde a sua primeira infância, quanto (ii) todo o grupo, ao contribuir para a perpetuação do preconceito e conduzir a outras formas desigualdades e injustiças, como discriminações graves no acesso aos serviços públicos de saúde, educação e segurança pública, e ao mercado de trabalho”.
Além disso, é importante dizer que as normas devem ser interpretadas sob um juízo de ponderação, de modo que a autonomia de todas as pessoas deve respeitar o direito de liberdade, bem como os outros direitos fundamentais, de outras pessoas. Nesse ponto, o Ilustre Ministro coloca uma pá de cal na questão, ao ponderar o direito de uso do banheiro feminino de acesso público por transexual feminina e o direito de privacidade das mulheres (cisgenêros), para ele “De todo modo, a mera presença de transexual feminina em áreas comuns do banheiro feminino, ainda que gere algum desconforto, não é comparável àquele suportado por um transexual em um banheiro masculino”, de modo que o direito à dignidade da pessoa humana e da liberdade, deve se sobrepor ao direito à privacidade.
Em suma, embora a questão esteja longe de ser pacificada, sendo o direito um instrumento de regulamentação da sociedade, voltado a evitar as injustiças, deve-se discordar de qualquer posição que minore ou atente contra a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais resguardados pela Constituição pátria. Desta maneira, há que se garantir aos transexuais o direito de reconhecimento, o “direito de ser como se é”, pois como já dizia o filósofo Kant “Direito é o conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”, não havendo espaço para atitudes que possam fomentar o preconceito e a intolerância.
Isabela Albano Porto – OAB/SP 390.244